Um primeiro alô
Alguns comentários antes de eu começar a soltar minhas barbaridades por aqui
Em algum lugar nos idos dos anos 2010, quando a Internet ainda não tinha se transformado numa sucursal do inferno, eu era uma das muitas pessoas que tinha um blog. Com aquela cara de pau que só a adolescência e a lógica da Internet permitiam, eu enchi minha página com contos, crônicas e textos meio sem forma que falavam das pessoas e coisas que eu amava e eram um primeiro ensaio para me tornar escritora.
A maior parte da minha infância e adolescência, minhas escolhas profissionais orbitavam em torno do que podemos chamar de “pesquisa” - cientista, arqueóloga- ou “criação” - jornalista, cineasta e, por último, mas não menos importante, escritora. Uma parte de mim acha engraçadíssimo que nos dois últimos anos do meu Ensino Médio essas opções todas tenham ido para a casa do caralho e eu tenha ficado divida entre Letras ( professora) e Relações Internacionais (Diplomacia).
Eu nunca quis ser professora. Eu não organizava minhas bonecas em uma sala de aula imaginária, não gostava de crianças mais novas do que eu e definitivamente nunca fui maternal. Mas eu amava muito meus professores. Hoje, com um certo distanciamento, é nítido pra mim o quanto eles foram ( e são) referências não só profissionais, mas no mundo adulto como um todo. Isso, somado ao desejo de ter uma carreira com abundância de vagas de trabalho, me levou à faculdade de Letras (sobre a diplomacia, eu conto essa história outro dia).
Dizem que o Mário de Andrade dizia que o curso de letras mata todo potencial escritor. No meu caso isso certamente foi verdade. Em parte, talvez, porque a minha entrada na vida adulta coincidiu com todas as mudanças de comportamento provocadas pelas redes sociais e sua capacidade de assassinar qualquer desejo de produção criativa; por outro lado, ficou nítida a distância entre o meu potencial literário e o dos autores que eu lia, assim como aumentou uma sensação de insignificância mesmo. Uma vez, um amigo que chegou a conhecer os textos do meu blog, me perguntou porque eu não voltava a escrever. Quando eu, dez anos sem produzir uma linha de ficção, perguntei que raio de história eu ia escrever, ele me disse, na maior cara de pau: “A sua, ué.”. E eu não acho que as pessoas queiram saber a minha história.
Mas a “natureza sabe encontrar nossos pontos mais fracos”, como diria uma personagem de André Aciman, traduzida por Alessandra Esteche. Fiz um mestrado e um doutorado em literatura. Virei professora, primeiro de reforço escolar, depois pré-vestibular popular e, por último, de escola. Ainda não cheguei no lugar queria, não plenamente - a Universidade, um dos grandes amores da minha vida -, mas me achava uma ótima professora. As porradas mais recentes me deixaram na dúvida. Em algum ponto desse caminho, eu me apaixonei pela Ciência Política e sua capacidade de tornar concreto aquilo que parece intangível, ao ponto de começar uma segunda graduação e, hoje, um segundo doutorado. Em algum ponto do caminho, eu voltei a morar na casa em que passei o início da minha adulta, num arranjo que é bem agrdável, mas que não era o que eu esperava aos meus trinta e um anos. E em algum ponto desse caminho, quando a vida me puxou pra bem longe daquela adolescente que escrevia no blog, eu decidi que quero voltar a escrever. Porque eu preciso disso. Porque a vida foi muito generosa comigo, os amigos existem, os amores doem, mas passam, e as coisas nem de longe estão tão ruins assim.
Mas não é o suficiente.
Há alguns meses eu comecei a ler newsletters no substack e cheguei nesse texto brilhante aqui da Isadora Sinay, sobre querer demais, e eu percebi que tavez esse seja o lugar que a escrita sempre ocupou na minha vida, de me permitir lidar com esse “querer demais” que eu carrego desde sempre. Porque a vida simplesmente não dá conta dele. Mas a arte dá. E não pelos motivos escapistas que as pessoas atribuem condescendentemente à literatura, mas porque ela nos ensina a criar aquilo que ainda não existe. E eu quero criar coisas que ainda não existem.
Essa introdução gigante, só pra ventilar o coração e contar um pouco meus planos pra cá: ensaios, crônicas, contos, textos sem forma em geral, publicados todas as quintas, de 15 em 15 dias, porque eu não sou o José Saramago e não escrevo uma página por dia. Talvez ninguém leia, mas eu vou adorar estar acompanhada dos que o fizerem.
Até a próxima quinta; até o próximo texto.